Oito e quarenta da noite.
"Quarenta", ela repete para si mesma.
Em suas contas, aquela é sua quadragésima noite de 24 de dezembro. Mas as lembranças parecem ainda mais intensas que o peso do tempo.
As madrugadas em que a menina não dormia. A ansiedade para acordar e ver o que Papai Noel finalmente teria aprontado. Não havia noite em que ela se sentisse tão especial. Nem o aniversário lhe trazia tanta alegria. Um ano inteiro de espera valia a mágica de acordar, descer para a sala e procurar pelo presente.
"Presente", ela repete para si mesma.
Papai Noel parecia amá-la de verdade. Tanto, que um dia trouxera exatamente o presente sonhado. "Como ele teve dinheiro pra comprar?", ela questionou. E o preço do presente lhe parecia a medida generosa do amor.
A casa em silêncio. O filho dormindo. Não há por que os ponteiros do relógio se mexerem. Seus olhos abertos não veem nada além das cenas que passam rápidas pelo pensamento.
Não tem ideia do que vai vestir. Lembra-se do antigo vestido de lastex vermelho, semelhante aos das irmãs, que fora o figurino de um almoço de Natal na casa da avó. Ao som das pessoas conversando conversas que não lhe diziam respeito, passou o almoço sonhando com o futuro, olhos fixos na mulher do lago — o enfeite que sempre esteve lá, em cima do armário antigo que guardava os doces. Hoje, o enfeite mora em sua casa. É dela a mulher do lago.
Notas novas de dinheiro. Que de contar faziam barulho. O cheiro inconfundível das cédulas de pouco valor, que todo ano saíam de um envelope com o seu nome. Era assim o outro Natal, na casa da bisavó.
A cada ano, a expectativa de ver a porta se abrir. Num deles, a avó abriu a porta e as duas se abraçaram sem dizer palavra. O som do choro disse tudo: num abraço único, a velha chorou a filha; a moça chorou a mãe. O milagre de um Natal bonito de tão preciosa falta.
Um Natal do pai viúvo. Carinhoso e inédito, sorrindo para o primeiro neto homem.
Mais um avanço no tempo e o Natal na barriga. Ela esperava o seu maior presente. O amor ali ao lado. A família nova em volta. Choro. Dessa vez, de alegria.
O primeiro Natal sem ele. O primeiro Natal do filho. O que fazer com a vontade de chorar? E como não sorrir? Presentes. Crianças brincando. Não há como se concentrar na dor diante do colorido de uma noite de Natal.
Nove e dez. Não vai dar tempo de trocar de roupa. E pegar o filho antes do auge do sono. Ela sabe que ao chegar e ver as pessoas ele vai chorar. Vai chorar muito. Mas ela quer abraçar as pessoas. Quer celebrar esse novo encontro diante do tempo. Quer mostrar as gracinhas do filho. Quer contar piadas. Quer acreditar no tempo.
"Tempo", ela pensa.
Um banho rápido. Um vestido fácil. Rímel. Batom. "Vou com as olheiras mesmo." Pega a bolsa. Pega a torta na geladeira. Pega a sacola do filho. Pega o filho. Chama o elevador. "Quantas mãos eu tenho mesmo?" Fecha a porta atrás de si, levando no colo o filho, a sacola, a torta, a bolsa. E todos os Natais também."
Este conto muito significativo, eu tirei daqui .
E quem escreveu foi a talentosíssima publicitária mineira Cris Guerra que anda fazendo muito sucesso com seus blogs.
O que eu mais gosto é o Para Francisco que ela escreve para o filho que não chegou a conhecer o pai. Uma triste, comovente, alegre, linda história de amor que já me emocionou muitas vezes. E que me inspira muito porque traz a certeza de que a dor (sempre involuntária!) é capaz de nos tornarmos pessoas melhores quando usamos o amor como elemento transformador.
Feliz Natal para todos!
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